Description
Titia castrava gatos. Dizia-me que assim aprisionava para sempre o amor dos felinos. Com o tempo, os próprios gatos ofereciam-se ao sacrifício: eram como homens-bomba numa missão suicida e sagrada. Gatos das mais diversas raças e cidades batiam à porta de titia: “Nós estamos aqui e te damos para sempre nosso amor”. Procissões de gatos caminhavam dia e noite até nossa casa.
No dia de seu aniversário, titia arrumou-se dos pés à cabeça, passou pela primeira vez batom e perfume. Inaugurou até um vestido azul claro, com leves rosas brancas. Ela realmente estava feliz e bonita nesse dia. Pensei até que tinha arrumado um namorado secreto, nunca a vi tão linda e doida. Cantava e dançava Nelson Gonçalves. E eu, em ritmo de rock and roll, tocava uma guitarra imaginária, cantando ao mesmo tempo “Parabéns para você”. (O silêncio dos gatos)
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Ele sempre pensou que aquilo fosse uma pedra em seu jardim, até que, de repente, um pescoço pequenino, mas grosso, saiu de dentro de uma carapaça, com olhinhos escuros.
– Vá com calma, depois de anos aqui, vai me jogar fora? – perguntou o jabuti, ao mesmo tempo em que, levemente, com suas patas de elefante, tocava o pulso de Rafael, que se preparava para jogá-lo na lixeira.
Rafael, tomado por impulso, afastou-se do bicho, dizendo:
– Isso fala! (Lembranças de sábado)